terça-feira, 20 de outubro de 2009

Recuperação: um nó no processo de avaliação

Após um longo debate hoje na escola a respeito de métodos de recuperação do rendimento dos alunos, é possível concluir que este talvez seja o maior problema dos processos de avaliação.
Hoje se pensa numa escola includente, diferente daquela de exclusão, que me fez repetir a sétima e, em seguida, a oitava série, porque só havia recuperação ao fim do ano letivo e não havia a possibilidade de se perder em nenhuma disciplina, já que não havia dependência. Esses dois anos perdidos certamente alteraram meu destino, mas não é possível avaliar isso qualitativamente agora. Uma coisa é certa: continuei sem saber matemática, saí da educação básica mais tarde que os demais e tive problemas em minha vida acadêmica um pouco por isso.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Passaram a existir processos de recuperação paralela, que segundo determinada interpretação, significava diluir a recuperação ao longo do ano letivo, permitindo assim ao aluno recuperar sua nota em cada disciplina, em cada bimestre, contando ainda com a recuperação no final do ano. A radicalização desse discurso, no início dos anos 2000 - acompanhando toda a onda neoliberal que parece querer formar não cidadãos mas apenas consumidores, que saibam ler, escrever, ter cartão de crédito, saber operar caixa eletrônico e comprar pela internet - trouxe a idéia, sintetizada na seguinte frase, muto ouvida nas reuniões escolares: "se escola boa é a que reprova, hospital bom é o que mata". Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
Hoje, talvez devamos nos perguntar o que deve saber alguém para ser considerado "aprovado".
Ainda vivemos num sistema de ensino tão excludente quanto aquele que me reprovou no passado. Enquanto a educação for baseada em notas, enquanto for um processo meritocrático, não será para todos. E não estou falando apenas em questão de classe, mas também em questão cognitiva. A nota 100 de João não é igual ao 100 de Pedro, pois são indivíduos diferentes, embora inseridos numa estrutura coletiva que é a escola, numa relação coletiva da sala de aula (cada vez mais coletiva porque o número de alunos por classe é cada vez maior...), mediada por um único professor, que não dá conta dos problemas individuais de cada um.
O aluno recupera o que não aprendeu ou recupera a nota que não obteve? O que queremos? Será que todos os alunos que obtém boas notas são indivíduos que contribuem com o desenvolvimento de uma sociedade mais ética e democrática? Será que os que não obtiveram boas notas merecem ser punidos por isso? Será que devemos recuperar conteúdos ou competências e habilidades [1]?

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB 9394/96, em seu Art. 12, inciso V, os estabelecimentos de ensino devem prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento, cabendo aos docentes o estabelecimento das estratégias para tal, de acordo com o inciso IV do Art. 13.
O Art. 24, que determina as regras de organização do ensino fundamental e médio, define no inciso V, sobre o acompanhamento do rendimento escolar, no item "e", a "obrigatoriedade dos estudos de recuperação , de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos".
Os questionamentos levantados pelos professores hoje são: "É justo um aluno não ter participado de todas as atividades, não ter estudado o quanto deveria para obter êxito, ter a chance de realizar uma prova de recuperação que o permita ter uma nota superior à daquele aluno que se esforçou e conseguiu a média?" "Apenas a chance de uma nova prova substituindo todas as avaliações anteriores é o suficiente para recuperar a nota?"

Estamos diante de um conflito entre uma legislação que garante ao aluno o direito de recuperar o seu rendimento (não fala em nota, pois esse talvez possa ser medido de outra forma), e uma estrutura escolar que não oferece tais possibilidades.

Sabe como seria possível não só atender à legislação como obter um resultado satisfatório? Uma escola em tempo integral, com professores dignamente remunerados para dedicarem-se exclusivamente àquele estabelecimento e aos seus alunos. Assim, paralelamente às aulas regulares ocorreria o trabalho de recuperação, em outro turno, ocorreria o trabalho de recuperação, que seria feito após cada atividade avaliativa com aqueles alunos que não tivessem alcançado os objetivos planejados pelo professor.
Mas estamos longe desta realidade.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Carta aberta dos professores fluminenses

Acabo de receber por e-mail uma carta aberta à população do estado do Rio de Janeiro, assinada pelos professores da rede estadual de ensino.
Na carta os professores esclarecem a questão do aumento do salário que atualmente gira em torno dos R$ 540,00 (líquido) anunciado pelo governo como um grande progresso mas que na verdade é uma desvalorização ainda maior da classe. Nesse parcelamento, muitos professores receberão um aumento de aproximadamente dois reais em 2010!
Com relação à climatização das salas e aos notebooks fornecidos aos professores, grandes peças de propaganda do governo, os professores destacam que além dos gastos com o aluguel dos aparelhos de ar-condicionado, haverá também um aumento nas contas de energia. Em relação aos notebooks, os aparelhos não pertencem aos professores, mas estão cedidos pelo sistema de comodato, podendo ser recolhidos a qualquer momento.
Mas o pior de tudo nesta carta aberta, o mais preocupante, é o dado em relação aos pedidos de exoneração, que chegam à média de 30 pedidos por dia. Inclusive este que vos escreve pediu exoneração dois meses após assumir sua vaga, por não ter condições de trabalhar na escola para a qual a coordenadoria de educação o enviou, afim de guardar as melhores vagas para seus apadrinhados políticos. Não quis participar disso e nem pedir favor a ninguém.
Se o concurso é, pelo menos até agora, a forma mais justa de selecionar profissionais para o serviço público, e se o seu caráter meritocrático contribui para a qualidade dos quadros do funcionalismo, a desistência de muitos pode agravar ainda mais a qualidade do ensino, frustrando qualquer esperança em um ensino público de qualidade.
Uma lástima!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Feliz dia do professor

Na TV, outro dia, vi a propaganda do MEC sobre a importância do professor no desenvolvimento dos países.

Fiquei emocionado com essa propaganda. Mas triste em perceber que, mesmo sendo o profissional central no desenvolvimento da democracia e consequentemente, no desenvolvimento econômico e humano, o professor, em vários países do mundo, inclusive nos desenvolvidos, ainda é um profissional muito desvalorizado financeiramente, profissionalmente... moralmente.
E diante disso me preocupo com as futuras gerações de professores. Quem estará disposto a assumir essa tarefa?
Fiz essa escolha nos anos 90, quando ainda havia um resquício de ideologia no ar. Hoje são poucos os jovens interessados pelo magistério, pela transformação social através da educação. É compreensível e preocupante.
Temos um grande desafio nessa virada de milênio. A informação, tão cara em outros tempos, quando a tínhamos que buscar em enciclopédias, agora toma de assalto nossos jovens incautos, através dos infinitos canais de TV, da internet (seja pelo celular, notebook com rede wireless, em casa ou mesmo na lan-house das esquinas da periferia). Os professores não são mais os oráculos de outrora. O saber de sua disciplina era sua arma de defesa perante a sociedade e os alunos. o professor era aquele que "sabia". Hoje, esse "saber" é relativo. Os "conteúdos" que sempre "ensinamos", se não tiverem algum significado, alguma utilidade prática perceptível pelos alunos, não se transformam em conhecimento, e sim num mero engodo burocrático, em troca de uma nota.
Nosso desafio hoje é contribuir para a construção do conhecimento. É assistir com eles uma matéria do Jornal Nacional via youtube, um documentário, e, em seguida, debater um texto... tudo em aproximadamente 50 minutos. Ufa! Não é fácil. Ainda mais quando se tem que trabalhar em cinco escolas diferentes... definitivamente, não dá. E por isso mesmo é um desafio. Os professores de história da educação básica não formam historiadores, mas cidadãos. Pouco me importa se meus alunos sabem quem foi Martim Afonso de Souza ou quantas foram as capitanias hereditárias... mas sim que tenham a dimensão da questão agrária no Brasil, e da profundidade de suas raízes históricas. Da distribuição em sesmarias à lei de terras de 1850 é um salto de séculos, mas apontando para uma mesma questão, que passa pela guerra de Canudos, do Contestado, pelo MST até o assassinato da Irmã Dorothy Stang e a questão ambiental, assim também como a destruição dos laranjais da Cutrale na semana passada.
Precisamos enfrentar estes desafios, precisamos estar abertos para os questionamentos, precisamos questionar nossas práticas e encará-las como exercício intelectual, na construção do conhecimento. Não somos meros reprodutores, mas sim construtores do saber. Acredito que a partir daí avançaremos na nossa valorização, mostrando que trazemos saberes específicos de nossa profissão, que existe um terreno onde nós, e apenas nós, dominamos.

Feliz dia dos professores a todos.